Me chamo Tatiana Lima, tenho 43 anos e sou Professora Universitária. Mas, antes de tudo isto sou mãe pâncreas e gosto de me definir e me apresentar desta forma. Tanto gosto que tenho uma tatuagem marcada em minha pele, feita especialmente com estes dizeres para que ninguém tenha dúvidas de quem eu sou. Antes de 2017 eu não sabia o que era ser uma mãe pâncreas, e o que eu sabia da Diabetes era o que todos sabiam. Ou seja, que bastava tomar remédios; que quem aplicava insulina era porque não se cuidava; não imaginava que crianças tinham diabetes, ou mesmo que existiam diversos tipos de diabetes. E não era por falta de “educação”, afinal tenho doutorado em educação. Era por desconhecimento total acerca da doença. 

Sim. A diabetes ainda é uma doença pouco conhecida, apesar de acometer milhões de pessoas no mundo todo. Até aquele ano, eu e minha Gabi, na época com 8 anos, desbravámos o mundo: viajávamos e tínhamos muitas aventuras. Eu tinha uma carreira em ascensão, ministrando aulas em uma universidade pública, ocupando cargos de gestão, desenvolvendo projetos de pesquisa, e orientando muitos estudos de discentes, desde a graduação até a pós graduação. Mas, sempre sendo mãe neste processo. 

Mesmo antes da diabetes, Gabi veio em primeiro lugar para mim. Nunca perdi uma apresentação na escola, ou deixei de acompanhar os estudos dela, ou mesmo de ter nossos momentos juntas. Como mãe solo sempre estávamos juntas: na universidade, nos congressos, em piqueniques dela com seus amiguinhos, nas atividades da escola dela, nas nossas diversões e viagens. 

Em um dia de sábado eis que chega a notícia, nunca aguardada. Minha filha tinha diabetes e precisava ser internada na UTI pois estava com Cetoacidose. Um baque, muitas perguntas, muita culpa, muitas indagações a mim mesma sobre onde eu tinha errado: afinal Gabi era saudável, fazia dois esportes, e nunca tinha tido nenhum problema de glicemia desregulada. 

Foram 7 dias de internação e uma reviravolta de 180 graus na nossa vida. Eu que era mãe solo, passei a ser uma mãe solo pâncreas. Mas, como tudo na minha vida agarro com paixão, passei a pesquisar e estudar sobre esta doença. No quarto dia de internação já estava em treinamento na aplicação de insulina com seringas, pois fui conhecer as canetas somente quando saímos do hospital. E eu que morria de medo de injeções, quaisquer que fossem elas, me vi sendo treinada a colocar insulina na seringa, a misturar insulinas para evitar duas perfurações, a aplicar a insulina. 

Na primeira vez, precisei apoiar o braço no colchão de tanto que ele tremia. Mas, fiz a cara mais tranquila do mundo (nem sei como consegui), dei um sorriso e segui. O que se passava em minha cabeça era: minha filha precisa de mim, que eu seja forte, e aprenda para que ela seja liberada do hospital. 

Após estes sete dias, eu precisei organizar a nova vidinha dela: encontrei endocrinologista, dermatologista, oftalmologista, dentista, psicólogo, nutricionista. Busquei saber os direitos dela e fui atrás das fitas de medição, aparelho de medição de glicemia e insulinas pelo SUS.  Afinal, sabemos que o tratamento é muito caro. E eu também sempre pensei: direito é direito. 

Se ela tem esse direito, precisamos fazer jus. Após isto, comecei a outra etapa: acabar com a minha culpa. Neste contexto, somente terapia. Precisei entender, com ajuda de profissionais, que eu não tinha culpa e que a Diabetes Mellitus Tipo 1 não pode ser evitada. Ou seja, nada que eu pudesse fazer mudaria o rumo dos acontecimentos e evitaria que Gabi desenvolvesse a doença. Mas, tinha algo que eu poderia fazer: me apropriar do tratamento, ter uma boa vida com ela, aceitar a doença e construirmos juntas novas aventuras, agora com nossa companheira inseparável: a diabetes ou “tia bete” como a chamamos, até de forma carinhosa. 

Desde então, eu estudo sempre, aprendo mais e mais sobre a DM1, troco experiências com outras mães e dialogo muito com os profissionais que acompanham Gabi. Isto é muito importante: ter confiança e abertura com os profissionais que cuidam da diabetes seja do seu filho ou a sua, deixei a culpa de lado, não alimento revoltas e eu e minha docinho somos empoderadas sobre o assunto e nunca escondemos nada. Andamos com camisetas com dizeres sobre diabetes e sobre a minha identidade de mãe pâncreas. Ela atualmente usa bomba de infusão de insulina e ostenta seus “apetrechos” com muita tranquilidade e ainda sorrimos quando percebemos o olhar de curiosidade das pessoas para aqueles “penduricalhos” nela. Em muitas vezes já paramos para responder perguntas sobre eles ou mesmo retirar dúvidas de pessoas curiosas. 

Ah! Continuo com minha carreira. Continuo sendo uma profissional e agora uma profissional que também é mãe pâncreas, ou uma mãe pâncreas que também é profissional. Continuamos viajando e desbravando lugares, agora com mais bagagem é verdade. Afinal, para onde quer que nossas asas e pés nos levem, levamos junto todos os insumos com folga, para não passarmos sustos. 

E findo dizendo que a diabetes trouxe coisas boas também para mim enquanto mãe pâncreas: conheci tanta gente bonita e de coração enorme, criei novos laços de fraternidade e amizade profundos, aprendi tanto sobre mim mesma, construí uma rede de apoio com outras mães e com outras mães pâncreas, me aproximei muito mais da escola e dos professores de minha docinho, aprendi muito sobre minha filha, aprendi que não temos o controle de tudo, mas que podemos ser felizes tendo dias excelentes, dias medianos e dias ruins. E posso dizer a todos: é possível ter uma vida normal, feliz e empoderada, fazendo tudo que pudermos fazer e lutar pelo que ainda não é possível, mas é o nosso desejo. 

Gabi, hoje uma adolescente, não se vitimiza ou usa sua diabetes como desculpa para não fazer nada. E também a educo como a educava antes da diabetes. Meus valores e ética não mudaram ou amenizaram porque ela é uma adolescente com Diabetes. É fácil? Não. Mas, também não era fácil antes da diabetes, sendo uma mãe solo com uma carreira. Contudo, precisei construir esta mãe pâncreas e me perguntar sempre que tipo de mãe pâncreas eu queria ser: cheia de medos ou a que enfrentava a vida como sempre enfrentei? Desta forma, encerro dizendo: é possível sim exercer uma maternidade sem neuroses, sem culpa, sem excesso de cobranças quando as glicemias não estiverem boas, e também se (re)fazer constantemente como mães pâncreas que são mulheres e são profissionais, convivendo em seu cotidiano com a nossa “tia bete”. 

Tatiana Lima.

 

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